O espaço entre | Carlos Marques | 2017

Para a Isabel Dores
Segundo afirmas, a tua exposição foca-se em questões de individualismo e falta de comunicação e na tentativa de materializar o espaço que medeia entre as pessoas. Neste sentido eleges um ser dual e invisível explorando, para o exprimires, o jogo entre o positivo e o negativo.
Na minha linguagem, a tangência; esse espaço película que une os corpos, apenas nulo, mas podendo conter uma imensidão de significantes, assume aqui uma presença decisiva e uma condição definitiva. Mas a sua expressão precisa, em assumir formalmente essa invisibilidade, convoca em absoluto a ausência e ela é o vetor primordial na definição de um percurso conceptual que evidencia vivências mais ou menos magoadas.
Por muito que a obra de um artista persiga determinados conceitos, aborde temas diversificados, ou se exprima através de formas aparentemente não familiares, uma leitura atenta e profunda à forma como interpreta as ideias que sistematicamente patenteia, identifica sempre um carácter e uma linha de sentido autobiográfico. A expressão plástica que o artista imprime ao seu trabalho, a forma como conjuga ou manipula os elementos materiais que elege para construir o seu discurso, pode parecer atraiçoar essa condição mas, os vectores presentes e repetidos no conjunto da obra, vêm afirmar essa qualidade individual e, no teu caso, ela afirma-se de uma maneira explícita, permanente e bastante eloquente.
A eleição da escala real para os elementos que moldas no próprio e em outros corpos, assume um caráter íntimo e reforça a verdade com que exploras e compões plasticamente essa temática.
A memória que tinha de um trabalho com uma sensibilidade e expressão muito própria não foi atraiçoada, passados estes anos, apesar de se mostrar agora aos meus olhos, com uma capa mais serena e uma afirmação mais consistente na exaltação da tangência, presentemente, com a representação do sujeito ausência mas com a mesma sensualidade latente.
A repetição dos elementos orgânicos, negativo/positivo ou representativo do corpo, que tratas através da frieza sistemática do módulo, revelam uma obsessiva atitude perante prováveis gestos ou memórias, afirmam uma ausência persistente e conferem a sistematização precisa à afirmação da permanência.
A linguagem plástica revela-se como um paradoxo já que parece mostrar, para além de uma íntima e dolorosa sensualidade, um grande carácter impessoal na evocação de uma realidade maquinal do mundo atual que é dado pela sugestiva imagem da fabricação em série e do seu contentor.
Mesmo os materiais escolhidos, parecem por vezes querer acentuar uma tentativa de distância, mas a referência evidente ao ex-voto faz regressar a questão a um determinado culto e à evocação da prece. As tuas frases procuram, num fugaz olhar de uma relação gráfica, a capacidade de descobrir uma leitura descomprometida, mas a poesia e força dos significados e a forma como se assumem, comprometem-nas novamente na relação aos afectos.
Esta dualidade de conceitos, permanente em todo o trabalho, revela afinal uma atitude coerente na assunção de uma intimidade desencontrada e na sua catarse.
A forma de manipular os elementos que utilizas para dar corpo ao teu imaginário e a constância com que o assumes, é feito através da criação de uma linguagem plástica atual e autêntica, em que a presença dos sentidos são constantemente depurados numa perene e significante dialética.

Carlos Marques
Julho, 2017

Fotografias: Francisca Dores